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ZERO alerta para linhas vermelhas e subterfúgios na nova proposta da União Europeia para certificação de remoções de carbono

ZERO alerta para linhas vermelhas e subterfúgios na nova proposta da União Europeia para certificação de remoções de carbono

A proposta apresentada hoje pela Comissão Europeia afigura-se como uma ferramenta para impulsionar as remoções de carbono no caminho para a neutralidade climática para que, por exemplo, a floresta, oceano ou tecnologias absorvam mais carbono da atmosfera do que emitem. Contudo, e ainda que a tentativa de certificar as remoções de carbono seja bem-vinda, é crucial não permitir que esta estratégia desvie a atenção da ação principal que a União Europeia (UE) deve levar a cabo sem atrasos:  a redução drástica de emissões.

A UE não pode depender de remoções de carbono para limitar o aquecimento a 1,5ºC e alcançar os objetivos de neutralidade climática

Para evitar os piores impactos das alterações climáticas, é necessário transformar completamente a forma como produzimos a nossa comida, gerimos os nossos ecossistemas e potenciamos as nossas economias.

Quando se trata de redução de emissões, a UE ainda não está sequer perto do que a ciência considera necessário. Aliás, o anúncio durante a COP27 do Vice-Presidente Executivo da Comissão, Frans Timmermans, de aumentar o compromisso da União em reduzir as emissões líquidas até 2030 em dois pontos percentuais, de 55 para 57%, está longe dos necessários 65% (pelo menos), o valor justo e compatível com o 1,5ºC de aquecimento global máximo.

Não podemos esquecer que é fundamental eliminar progressiva e definitivamente a exploração e utilização de combustíveis fósseis, um dos principais problemas na génese da crise climática em que nos encontramos. No entanto, esta proposta da Comissão, tal como está, representa um grande risco de atrasar a tão necessária ação em matéria de redução de emissões, levando os governos a perder a janela de oportunidade para manter a subida da temperatura global abaixo de 1,5ºC ao perpetuar a utilização de combustíveis fósseis nas décadas vindouras. De facto, uma abordagem assente na remoção de carbono da atmosfera através de tecnologias ainda dúbias não responde à necessidade imediata de reduzir emissões de gases com efeito de estufa (GEE).

Neste cenário atual, cada tonelada de futuras promessas de remoção de carbono representa um atraso de uma tonelada na redução de emissões hoje, contribuindo para o caos climático.

Ainda assim, a ZERO acolhe positivamente o facto de esta proposta prever alguns objetivos de sustentabilidade para todas as atividades de remoção de carbono, incluindo restauração de ecossistemas e reforço da biodiversidade. A ciência é clara: a integridade dos ecossistemas é condição essencial para quaisquer remoções de carbono terrestres credíveis. Não obstante esta premissa positiva, a proposta falha em estipular garantias sociais para prevenir apropriação de terras e assegurar que os agricultores não são deixados para trás.

As tecnologias de remoção de carbono não estão maduras e acarretam ainda muitas incertezas quanto à sua verdadeira eficácia

A abordagem tecnológica da Comissão assenta sobretudo em Captura Direta e Armazenamento de Carbono (direct air carbon capture and storage, DCCS na sigla inglesa) e Bioenergia com Captura e Armazenamento de Carbono (bioenergy with carbon capture and storage, BECCS na sigla inglesa). De momento, nenhuma destas tecnologias é viável nem escalável, para além de representarem grandes riscos sociais, ambientais e económicos associados ao consumo intensivo de energia e de recursos e ao transporte e armazenamento de dióxido de carbono.

Neste sentido, a ZERO considera que a proposta da Comissão estabelece um quadro regulatório altamente simplista para a certificação, deixando em aberto vários aspetos cruciais, como questões de responsabilidade no caso de o carbono armazenado ser relançado para a atmosfera (denominada ‘reversão’), requisitos de contabilidade e reporte, e períodos de monitorização. Para além disso, muitas das decisões-chave estão a ser adiadas ao abrigo de uma série de atos delegados e de execução, eliminando essencialmente estas questões cruciais do devido debate e escrutínio democrático.

A ZERO demonstra ainda grande preocupação com o facto de a proposta da Comissão não esclarecer a questão fundamental da finalidade dos certificados gerados; ao invés, indicia que se destinam a ser usados como compensações nos mercados voluntários de carbono. Isto é altamente problemático do ponto de vista climático e social, já que as compensações muitas vezes funcionam como desincentivos para a redução real de emissões. Por outro lado, é pouco provável que os mercados voluntários de carbono beneficiem a maioria dos gestores agrícolas devido aos preços baixos, à elevada incerteza, e à responsabilidade a longo prazo por reversões.

É crucial garantir uma ação climática rápida, eficaz, justa e sustentável

Da mesma forma, a proposta da Comissão introduz os agrosumidouros de carbono (carbon farming), que se traduz, na prática, num esquema para incentivar práticas agrícolas e florestais que sequestrem carbono nos sumidouros terrestres. Contudo, a sequestração temporária “baseada na natureza” não é permutável e não pode compensar as emissões de GEE que permanecem na atmosfera e contribuem para o aquecimento global durante centenas a milhares de anos. Na mesma linha, a ZERO considera que apostar fortemente em agrosumidouros de carbono é arriscado e irrealista para os agricultores, já que se baseia num modelo de compensações que depende da boa vontade das grandes empresas que, como vimos durante a COP27, tendem a fazer a propaganda ambiental à sua imagem sem alterar verdadeiramente as suas práticas poluidoras. É crucial que, ao invés, a União Europeia avance no sentido da redução de emissões, promovendo uma transição justa para todos os agricultores no sentido da agroecologia.

As remoções de carbono terão certamente um papel a desempenhar no quadro do objetivo de neutralidade climática da UE e, caso sejam prosseguidas da forma correta, poderão trazer grandes benefícios tanto para o clima, como para a biodiversidade, a restauração da natureza e as pessoas. No entanto, a proposta da Comissão fica, infelizmente, aquém de conseguir aproveitar esta oportunidade de forma construtiva.

O caminho para a neutralidade climática terá que passar por uma eliminação gradual, justa e equitativa dos combustíveis fósseis; por uma transformação energética para sistemas de energia renovável justos, democráticos e sustentáveis; pelo apoio aos pequenos agricultores e uma transição justa dos sistemas alimentares e agrícolas para a agroecologia; por práticas florestais próximas da natureza; e pela reorientação dos subsídios públicos dos combustíveis fósseis para estas medidas.

Fonte: ZERO


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