A revisão do Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE) entrou numa ronda final e decisiva de conversações entre negociadores do Parlamento Europeu, Conselho e Comissão no dia 16 de dezembro, que se prolongou até ao fim-de-semana. Embora os colegisladores tivessem já chegado a um acordo preliminar sobre alguns elementos (incluindo a inclusão do sector marítimo e regras sobre a aviação), a maior parte das questões politicamente controversas continuavam, nesta sexta-feira, por resolver. O resultado das negociações alcançado na madrugada de sábado é claro: a UE deixou escapar a oportunidade de reforçar a ambição climática, continuando, ao invés, a permitir a distribuição de milhões de licenças de poluição gratuitas à indústria.
Os negociadores não foram além do nível de ambição proposto pela Comissão e resignaram-se com uma redução de emissões na ordem dos 62% para os setores CELE até 2030. Este valor fica claramente aquém da redução de 70% necessária para que a UE, um contribuidor histórico para a atual crise climática em que nos encontramos, cumprisse com a sua quota parte justa para limitar o aquecimento global a 1,5°C, tal como consagrado no Acordo de Paris.
Por outro lado, e no contexto da guerra na Ucrânia, não restam dúvidas de que uma política climática forte é um pilar essencial para acelerar a transição energética da UE e para libertar a Europa da sua dependência dos combustíveis fósseis. Ainda assim, os colegisladores optaram por continuar a alimentar a indústria com licenças de poluição gratuitas, que só serão completamente eliminadas em 2034. Esta decisão não só atrasa a redução de emissões nos setores altamente poluidores do CELE (cimentos, aço, alumínio, etc), como mancha a credibilidade de todo o mecanismo: enquanto se espera que o cidadão comum pague pelas emissões nos edifícios e transporte rodoviário, os governos da UE continuam a distribuir centenas de milhares de milhões em licenças gratuitas para a indústria.
A ZERO considera que uma política climática ambiciosa precisa de ser inserida numa transformação ampla e socialmente justa, sendo absolutamente crucial que se aplique o princípio do poluidor-pagador, ao mesmo tempo que se direcionam apoios dedicados à transição das famílias de baixos rendimentos através do Fundo Social para a Ação Climática.
Para aplicar efetivamente o princípio do poluidor-pagador, as licenças gratuitas deveriam ser gradualmente eliminadas o mais rapidamente possível, e antes de 2030, alinhadas com a introdução do Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM). Neste contexto, não deixa de ser positivo que os colegisladores tenham determinado que o CBAM seja aplicado a partir de 2026, com uma redução de quase metade das licenças gratuitas atribuídas aos setores CBAM até 2030.
A ZERO defende, igualmente, que todas as receitas geradas pelo CELE e gastas quer diretamente pelos Estados-Membros (EM) quer através dos fundos do CELE, em particular o Fundo de Modernização, não devem ser utilizadas para financiar quaisquer investimentos em combustíveis fósseis ou nucleares. Neste quadro, os negociadores deram um passo na direção certa, reforçando as regras sob as quais os EM devem gastar as receitas avultadas geradas pelo leiloamento de licenças CELE, tornando obrigatório o requisito de que os EM canalizem 100% das receitas para ação climática. Este é um desenvolvimento significativo já que, entre 2013-2021, os EM da UE angariaram até 88,5 mil milhões de euros em receitas do CELE, mas não gastaram tudo na ação climática, falhando cerca de 25 mil milhões de euros de potenciais investimentos no clima.
Ainda assim, o Fundo de Modernização, que deverá fornecer cerca de 55 mil milhões de euros para que os EM de mais baixos rendimentos possam modernizar o seu sistema energético, sofreu um golpe tremendo. Lamentavelmente, as instituições europeias deixaram a porta aberta para investimentos em gás no quadro deste importante fundo, que ascendem aos 4,8 mil milhões de euros para produção de energia de gás fóssil, e ainda mais em cogeração baseada em gás fóssil. Com este passo em falso, a UE arrisca-se a perpetuar a utilização de gás fóssil em investimentos irrecuperáveis, perdendo a oportunidade de canalizar todos os cêntimos para soluções verdadeiramente limpas e preparadas para o futuro: eficiência energética, modernização das redes energéticas e 100% renováveis.
Infelizmente, o mecanismo que é muitas vezes descrito como o pilar da política climática da UE, ficou novamente aquém de atingir o seu pleno potencial e cumprir efetivamente com o seu propósito. Não só os colegisladores falharam em conseguir um acordo que permitisse à UE cumprir com a sua quota-parte para os objetivos do Acordo de Paris, como continuam a favorecer a proteção da indústria altamente poluidora em detrimento das pessoas e do clima.
Fonte: ZERO